segunda-feira, 30 de março de 2009

Acústica


Acústica - um passeio pelo tempo

Autor: Fernando Antônio Bersan Pinheiro

Então, que tal dar uma olhada em como era a sonorização 200 anos atrás, em 1807? Ou quem sabe voltar 2.000 anos, para o tempo de Jesus? Será que vamos descobrir algo interessante, que podemos usar nos tempos atuais e no futuro? A primeira coisa a entender é que naquela época, não havia eletricidade, nem microfones, nem mesas de som, nem amplificadores, muito menos alto-falantes. Tudo isso foi desenvolvido de 100 anos para cá. Não havia sonorização da forma que conhecemos hoje. Mas já havia teatros e outros locais para grandes reuniões, que em alguns casos envolviam dezenas de milhares de pessoas. Já havia orquestras, no sentido de vários músicos tocando em conjunto. Como será que esses músicos conseguiam se ouvir (ouvir o seu próprio instrumento) no meio de tantos outros músicos? Como será que o público de milhares de pessoas conseguia ouvir alguém (um palestrante, um pregador, um cantor, um ator, uma única pessoa) falando?
Naquele tempo, o único recurso existente era a Acústica! A única coisa que se podia “manejar” era a acústica do local, de forma que a mesma fosse propícia ao som. E também manejar a fonte sonora, valorizando pessoas que falavam bem alto. Neste artigo, vamos passear um pouco pela história da acústica.


TEATROS GREGOS

Mais de 2.000 anos atrás, os gregos antigos lançaram as bases da acústica ao fazerem seus teatros. Existiram vários (praticamente cada grande cidade tinha o seu). Alguns exemplo: teatros de Dionísio, Odeon, Delphi, Dodona, Philippi, Delos, Pergamum, Priene, Aspendus, Miletus , Epidaurus, Samothrace, Salamis, Xanthos, Cherchel, Djemila, Tipaza, Sabratha, Lepcis, Ephesus, Side, entre outros. Em todos podiam ser encontrados características comuns, que podem ser resumidas em:

1) situados em locais com baixo ruído

Os teatros eram construídos afastados das cidades, longe dos grandes locais ruidosos, como centros de comércio. O nível médio de ruído medido é de 30dB SPL (muitos teatros ainda existem, e são locais muito silenciosos, mais silenciosos que uma biblioteca dos nossos dias). Quando, por causa das características do terreno, o teatro tinha que ser construído junto à cidade, grandes mulharas eram erguidas separando os locais, de forma que sempre houvesse o silêncio necessário.Por outro lado, o silêncio da platéia era total. Qualquer um que conversasse, tossisse, espirasse, etc. sabia que estava atrapalhando todos os outros. Eles sabiam que precisavam ser “bem educados” para que todos pudessem escutar.

2) construídos a favor do vento

Os teatros eram construídos sempre de forma que o vento mais comum na região passasse por trás do palco, em direção à platéia. Muito mais que amenizar a temperatura (a Grécia é um país de temperaturas altas), as palavras e músicas eram “carregadas” pelo vento, do palco em direção à platéia.

3) a platéia se situava em degraus

Os gregos perceberam que, a cada vez que a distância entre a fonte sonora e o ouvinte dobra, o volume cai bastante (6dB), o que é a base da Lei dos Inversos dos Quadrados . Então, descobriram que a solução era diminuir a distância entre os ouvintes e a fonte sonora! E a forma que eles encontraram para fazer isso foi fazendo o público estar situado em degraus, de forma que a distância entre o último ouvinte e a fonte sonora não fosse muito maior que a distância entre a fonte sonora e o primeiro ouvinte.Outra grande vantagem é que, nesta disposição em degraus, cada pessoa tinha caminho livre entre o palco e seus ouvidos. Não havia barreiras, impedimentos e outros, que pudessem atrapalhar a propagação do som.

4) Usavam conchas acústicas

Alguns teatros contavam, atrás do palco, com paredes que desempenhavam o papel de superfícies refletoras. Elas eram dispostas de forma que os sons que seriam projetados para trás, e para cima (onde não havia público) fossem refletidos em direção à platéia. Ou seja: o que era para ser desperdiçado, passou a ser aproveitado. Também era utilizado paredes formando ângulos semelhantes a uma corneta, que contribuíam para aumentar a eficiência acústica do som.Cálculos modernos indicam que as conchas acústicas dos teatros gregos traziam ganhos de 3 a 5dB.
Além desses 4 itens, os gregos ainda estudavam os melhores horários para as apresentações, aproveitando diferenças de temperatura entre o ar e a pedra que facilitavam a propagação de som. Também implementaram caixas de ressonância que reforçavam os graves; assentos em pedra com angulações que refletiam os agudos, etc. Tudo isso para que o público percebesse fielmente a mensagem que deveria ser transmitida.E conseguiram. Uma moeda caindo no chão era claramente percebida a 50 metros de distância, mesmo com o teatro cheio. E alguns realmente “enchiam” muito. O Teatro de Epidauro tinha espaço para 14.000 pessoas sentadas, e era famoso por sua acústica perfeita – todos conseguiam ouvir tudo perfeitamente.

IGREJAS MEDIEVAIS

Passado o Império Romano (que também tinha seus teatros, com base semelhantes aos dos gregos), a Igreja se destacou como uma nova grande força. Igrejas foram construídas por toda a Europa, da Inglaterra à Rússia, durante a Idade Média. Cada vez maiores, nelas o paradigma de acústica foi diferente. A primeira grande diferença, em relação aos teatros de então, era que as igrejas eram fechadas (enquanto os teatros gregos e romanos abertos). Além da novidade de poder haver reuniões em dia de chuva, o formato protegia contra o frio e neve comum em vários países europeus.
Cabe destacar que as pequenas igrejas tinham, na sua maioria, boa acústica. O local onde se celebrava as liturgias (o altar, em geral com formato arredondado e pé direito mais baixo) nada mais era que um tipo de concha acústica, com paredes que dirigiam o som para o público. Entretanto, queremos chamar a atenção para a construção das grandes catedrais erguidas a partir do século XI. Construídas com uma nave de grande comprimento, pé-direito bastante alto (considerando que na época não havia guindastes), e revestida em geral com grandes superfícies refletoras (vitrais, paredes, etc), as catedrais eram mais famosas pela reverberação excessiva (com perda de inteligibilidade) que pela boa acústica. Seus tetos abaulados contribuíam ainda mais para que o som reverberasse. As palavras dos pregadores "ecoavam" grandemente, com algumas igrejas tendo tempo de RT60 (tempo entre um som ser gerado e se extinguir naturalmente) maior que 8 segundos!!!

O paradigma da sonorização mudou. Nas catedrais, mais importante era mostrar a grandiosidade de Deus que alguém entender propriamente dito o que estava sendo falado/cantado.Nesse cenário, que acusticamente não era dos melhores, destacava-se que os pregadores e os músicos/cantores tinham que se adequar ao local se quisessem ser entendidos. Para isso, os pregadores tinham que falar pausadamente, de forma que os sons não se embolassem devidos às grandes reverberações. As músicas e cantos eram feitas sem muita variação de volume, em notas simples, de grande duração. Alguns cânticos não eram acompanhadas sequer de instrumentos.Observem: em um local de acústica ruim, ou os usuários se adequavam à aquela acústica, ou ninguém entendia nada. Eles escolheram a primeira opção.
TEATROS MODERNOS

Após a Idade Média, quando chegou o Renascimento, muitos teatros foram construídos na Europa, a partir do século XVII.Os projetos dos teatros voltaram a seguir as orientações de acústica deixadas pelos gregos, mas é evidente que algumas coisas tiveram que ser “adaptadas”. Os teatros gregos e romanos eram ao ar livre, já que na Grécia e Itália, países de clima mediterrâneo, temos muito calor e clima seco, com pouca chuva. Já nos outros países, os teatros tinham que ser fechados, já que ninguém agüentaria ficar por algumas horas exposto a frio intenso ou debaixo de chuva. E como as cidades já cresciam bastante, era difícil construir teatros afastados da cidade. Ainda assim, eles não abandonaram as idéias principais dos gregos.

1) bom isolamento dos ruídos externos e internos

Se na Grécia os teatros eram construídos afastados das cidades, agora eram no meio das cidades. Ainda assim, persistia a idéia agora era fazer com que os ruídos externos ao teatro não chegassem à parte interna, onde o evento estivesse sendo realizado.Para tanto, os corredores eram construídos sempre na parte mais externa, próximos às ruas. Para alguém ter acesso à área do público, tinha que percorrer longos corredores. Esses corredores e janelas eram revestidos com pesadas cortinas, materiais que são excelentes absorventes acústicos. Os sons externos, quando conseguiam “entrar” dentro do teatro, eram absorvidos nos corredores.Na sala de apresentações, o ambiente fechado trouxe problemas. Alguns sons reverberavam, o que atrapalhava e muito. Descobriram então que revestir as paredes com alguns tipos de materiais ajudava a minimizar esse problema. Que diferentes materiais produziam diferentes absorções, em diferentes freqüências. Nascia ali o “tratamento acústico” de interiores.E, como não poderia deixar de ser, o público também sabia que tinha que fazer silêncio, para não atrapalhar os outros.

2) pé-direito alto

Com muita gente reunida em um lugar fechado, havia o risco do local ser insuportável no verão. Para evitar isso, os teatros eram construídos com pé direito (altura entre o teto e o chão) bastante alto, de forma que o ar quente, mais leve, subisse, e o ar frio, mais pesado, descesse, formando uma corrente de ar por convecção. No teto dos teatros, havia saídas de ar, que possibilitavam a troca de ar. Por estarem situadas muito alto, os sons externos que por ali adentrassem já estavam bastante atenuados, e praticamente não atrapalhavam. Na época de frio, as aberturas eram fechadas.

3) a platéia se situa em andares

Além de deixar uma parte do público sentada em inclinação como nos teatros gregos (nem sempre, mas é o mais comum), a grande inovação do teatro moderno foi aproveitar o pé-direito alto e fazer andares e mezaninos, onde o público também poderiam se sentar. Daí surgiram os camarotes, em geral, reservados aos mais abastados ou para a realeza). Tudo isso nada mais é do que a implementação da Lei dos Inversos dos Quadrados. O som continuava livre entre a fonte sonora e todo o público.
J.Bosco.

4 comentários:

Esaú Oliveira Matos disse...

Muito bom... extenso mas muito explicativo... Parabéns pelas pesquisas... aguardo novos tópicos...

Bom seria se a maioria dos operadores de som fossem assim.


Abraço Bosco

Esaú Mattos

Wendel Santos disse...

Bosco,

Pra falar a verdade, não terminei de ler todos os tópicos, mas já percebi que o conteúdo é de muitissima qualidade.

PARABÉNS....... pelo exelente trabalho! ! ! !

Que Deus continue te abençoando GRANDEMENTE!!!!

Wendel Santos

Anônimo disse...

Muito obrigado!

Este tópico me ajudou muito em um trabalho da escola

Anônimo disse...

Meu Deus do céu esses gregos eram grandiosos da invençao em tudo eles sabiam, grandes Genios.